A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), em vigor desde 2025, marca um divisor de águas na forma como as empresas devem lidar com os riscos psicossociais no ambiente de trabalho. Mais do que uma exigência legal, trata-se de uma resposta necessária a uma crise silenciosa que afeta milhões de trabalhadores brasileiros.
1. O que são riscos psicossociais?
Riscos psicossociais são fatores relacionados à forma como o trabalho é concebido, organizado e gerido. Eles podem afetar a saúde física, mental e social dos trabalhadores. Exemplos incluem:
- Excesso de demandas e sobrecarga;
- Falta de autonomia;
- Relações interpessoais conflituosas;
- Ambientes de trabalho inseguros ou desumanizados;
- Pressões por produtividade sem suporte adequado.
Esses riscos estão diretamente ligados ao aumento de casos de estresse, burnout, depressão, ansiedade e até doenças osteomusculares (DORT).
2. O cenário brasileiro: uma epidemia silenciosa
Em 2024, o Brasil registrou mais de 472 mil afastamentos por transtornos mentais, com um crescimento de 68% em relação a 2023. Os principais diagnósticos foram ansiedade, depressão e síndrome de burnout.
O impacto financeiro é alarmante:
- R$ 2,7 bilhões em custos diretos ao INSS;
- R$ 2,5 a R$ 3,5 bilhões em perdas produtivas para empresas;
- Estimativa real de R$ 10 bilhões/ano, considerando presenteísmo (quando o colaborador está presente, mas com baixa produtividade).
3. O que mudou na NR-1?
A nova NR-1 estabelece que o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) deve incluir os riscos psicossociais como parte integrante do processo. Isso significa que:
- A Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP) e a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) passam a ser obrigatórias;
- O Inventário de Riscos deve contemplar fatores psicossociais;
- O Plano de Ação precisa prever medidas de controle, monitoramento e revisão contínua.
Além disso, há integração com a NR-17 (Ergonomia), que trata da organização do trabalho, mobiliário, conforto ambiental e uso de equipamentos. A NR-1 agora exige que as empresas considerem as situações reais de trabalho, e não apenas as prescritas em manuais ou descrições de cargo.
4. Como aplicar na prática?
A implementação exige uma abordagem multidisciplinar e participativa. Os principais passos incluem:
a) Diagnóstico real e participativo
- Levantamento de dados sobre processos, postos de trabalho e perfil dos colaboradores;
- Reunião de informações de saúde ocupacional, acidentes, presenteísmo e clima organizacional;
- Identificação de setores prioritários para iniciar a avaliação.
b) Avaliação dos riscos psicossociais
- Uso de técnicas qualitativas (entrevistas, grupos focais, observação direta);
- Aplicação de ferramentas quantitativas validadas e adaptadas à realidade da empresa;
- Classificação dos riscos com base em severidade, probabilidade e impacto.
c) Ações de controle e prevenção
- Priorização de tarefas e flexibilização de horários;
- Pausas regulares e programas de apoio psicológico (EAP);
- Capacitação de lideranças para gestão saudável;
- Integração entre áreas técnicas (SESMT) e gestão de pessoas (RH).
d) Monitoramento e revisão
- Acompanhamento contínuo dos indicadores de saúde mental;
- Revisão periódica das medidas adotadas;
- Registro formal no Inventário de Riscos e Plano de Ação.
5. O que será cobrado na fiscalização?
A inspeção do trabalho já aponta como principais irregularidades:
- Ausência de AEP e AET;
- Inventário de Riscos incompleto;
- Falta de envolvimento dos trabalhadores no processo;
- Medidas de controle não implementadas ou ineficazes.
Empresas que não se adequarem estarão sujeitas a autos de infração e penalidades, além de riscos reputacionais e jurídicos.
6. Benefícios da conformidade e da prevenção
Além de evitar multas, a gestão adequada dos riscos psicossociais traz benefícios concretos:
- Redução de afastamentos e custos previdenciários;
- Aumento da produtividade e engajamento;
- Retenção de talentos e fortalecimento da imagem institucional.
Conclusão: cuidar das pessoas é cuidar da empresa
A nova NR-1 não é apenas uma norma técnica. Ela representa um chamado à responsabilidade social corporativa. Investir em saúde mental ocupacional é uma estratégia inteligente, que protege os colaboradores, fortalece a cultura organizacional e garante a sustentabilidade do negócio.